Desabafando
Como qualquer pessoa normal, tenho o meu feitiozinho. Tenho as minhas respostas tortas, tenho a minha birra quando não me apetece fazer algo ou estar em determinado sítio. Tenho aqueles dias em que estou particularmente desagradável, em que não gosto de nada, não tenho paciência para aturar pessoas e não consigo disfarçá-lo. E aqueles em que até consigo disfarçar, até acho que estou normal e ok, mas basta aquele comentário daquela pessoa e dá-me logo vontade de desatar aos berros, partir tudo, virar costas e vir embora. Tenho os meus atritos esporádicos com amigos ou familiares, em que digo coisas de que mais tarde me arrependo, ou sou simplesmente bruta. E quando digo que me arrependo, arrependo-me mesmo. Fico triste comigo, pois sei que exagerei e que aquela pessoa não merecia. Nem é preciso um grande drama para me sentir assim, basta ser do contra sem motivo real para isso, basta falar mal e sair-me um "Isso é estúpido!" quando podia dizer "Isso não faz sentido."
Não tenho feitio para estar muito tempo chateada com as pessoas, não gosto de guardar rancores - acho que nem o consigo fazer - muito menos quando se trata de alguém que gosto. Fico mesmo preocupada quando acho que um amigo me interpretou mal ou quando disse algo sem qualquer intenção de magoar, mas magoou e tento esclarecer as coisas. Fico mesmo triste se um amigo duvida da minha amizade ou pensa que eu fiz algo intencionalmente para o prejudicar, porque eu não sou assim e aqueles que eu considero amigos sabem que o são. Até posso ser má e interesseira com alguns, virar a cara ou não dar muita confiança a outros, mas isso é porque já os passei a outra categoria, não sou amiga deles e se não prestam para mim, não vou prestar para eles. Há muito tempo que aprendi a não perder tempo com quem não merece e isso não é algo que me deixe acordada de noite ou me tire o apetite.
Mesmo aqueles trastes imbecis que um belo dia se atravessaram no meu caminho e beliscaram a minha serenidade eu acabo por perdoar, sou capaz de os cumprimentar, falar com eles e tratá-los como se nunca tivesse acontecido nada sem a mínima hipocrisia da minha parte, pois acabo por reagir a isso como a uma picada de mosquito: incha, desincha e passa. Por outras palavras: esqueço. E esqueço mesmo.
No que depender de mim, mal-entendidos serão resolvidos, zangas estúpidas não passarão disso mesmo. Mas também não deixo que abusem: eu faço a minha parte, mas o outro também tem que fazer a sua. E não fico tranquila se o outro não faz, fico desiludida, dou voltas e mais voltas à cabeça para tentar descobrir se houve algum erro meu que eu não tenha reconhecido, se há mais alguma coisa que dependa de mim que eu possa resolver. Quando não há, também não vou pedir perdão quando não tenho que o fazer.
Com tantas confusões, zangas e discussões que acontecem à minha volta, tive que aprender a ser assim. Como no geral me dou bem com as pessoas, fico muitas vezes no meio de duas ou mais que não se dão ou não se falam.
Na minha família abundam casos de familiares próximos que não se falam ou estão constantemente chateados, mas com os quais me dou muito bem separadamente. Se tentando uma reconciliação não só falhei como ainda levei por tabela, e como não consigo ficar totalmente de parte, aprendi a não pensar muito nisso. A não falar de uma pessoa à outra, a não mencionar que estive com ela, a não falar das suas decisões ou opiniões. Sei que se o fizer sobra para mim, que vou ouvir comentários desagradáveis acerca do outro ou da minha relação com ele - como se tivesse culpa de gostar dele - e eu não preciso de me magoar mais do que a ruptura em si já magoou. Simplesmente passei a encará-los como entidades separadas, como se fossem pessoas que não se conhecem. E há tanto tempo que isto acontece que já nem é esforço nenhum viver assim, mas sim sinónimo de tranquilidade.
Com os amigos acontece exactamente o mesmo. Grupos e pessoas diferentes que não se relacionam - ou fingem que o fazem - e eu no meio. Desde sempre. Por isso não levo para o lado pessoal se duas amigas minhas se chateiam, não tomo partidos se não estou envolvida directamente nesse problema. Se um casal de namorados amigos meus acabam porque um deles fez m***a, não deixo de falar com ele, não querendo isto dizer que não fique muito desiludida com essa pessoa.
Não venham questionar a minha amizade só porque também me dou bem com as outras pessoas, pois isso não significa que concorde com elas ou que pactue com o que elas fazem/pensam. Isso não é deslealdade, sei que não estou a falhar com ninguém pois enquanto posso tento ajudar. Quando não posso, não venham exigir de mim o que não posso dar, pois já fiz o que podia.
Da mesma forma que não se pode "agradar a gregos e troianos", sei que não se pode ser amigo de toda a gente. É aqui que faço a distinção entre os que não me interessam, os amigos e os grandes amigos, esperando que esses também saibam fazê-la.
Este texto não é para toda a gente, coisa que nem precisava de dizer, pois sei que só as pessoas a quem é dirigido chegarão até esta parte do testamento. Se calhar é preciso conhecer-me muito bem ou há muito tempo para perceber tudo o que acabei de dizer. Se calhar é preciso ter passado pelo que passei ou algo semelhante para se perceber porque sou assim. Se não fosse, nesta altura sobraria muito pouco de mim. Seria uma espécie de caco humano de sentimentos e personalidade estropiados, cheia de ódio e rancores, chateada com meio mundo e triste com a outra metade, a cobrar atitudes, a lutar por coisas que só se resolverão com o tempo e independentemente da minha vontade. Tive que aprender a ser indiferente ou a racionalizar que muitas vezes as pessoas se chateiam porque querem, porque foi a forma que encontraram de descarregar frustrações passadas e presentes. Esta foi a maneira que encontrei de estar em equilíbrio comigo e com os outros, ainda que a muitos incomode e que muitos gostassem que fosse diferente. E há quem tenha a obrigação de saber isto.
Aqui fica meu abracinho virtual super apertado !